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Foto do escritorPaulo Markun

Jornal Nacional pessoal para Lula e Moro

Publicado originalmente em Tilt do UOL em 23 de março de 2023 na coluna de Pedro e Paulo Markun.


Apesar de todo o avanço tecnológico, os telejornais, aqui e lá fora, continuam tentando oferecer as notícias mais relevantes do dia para um telespectador médio, que os jornalistas pretendem conhecer. Mas novas ferramentas, como o tão falado ChatGPT permitem construir resumos noticiosos muito personalizados - usando de outro modo, os mecanismos que levam os algoritmos a nos oferecer, pelas redes sociais, algo que acabamos de mencionar ou de desejar, a partir da manipulação dos dados que entregamos de graça e sem perceber o tempo todo.


Para tentar entender a possibilidade de hiper personalizar o conteúdo jornalístico desses veículos no formato texto (para os tantos que ainda preferem ler resumos a acompanhar as edições desses programas) Paulo e Pedro se juntaram a Moises Costa Pinto, doutorando na Faculdade de Comunicação da Universidade Federal da Bahia para um experimento prático. Foi uma das 900 mesas no oitavo congresso da UFBA, com mais de 14 mil inscritos.


O objetivo: desvendar como isso pode ser feito pelo ChatGPT (a versão 3, pois a 4 ainda não estava em operação).


Nove figuras públicas foram selecionadas para serem os destinatários de resumos informativos de texto de de três edições do Jornal Nacional. Lula, Sergio Moro, Marcelo Adnet, Miriam Leitão, Alexandre Garcia, Gil do Vigor, Reinaldo Azevedo, Mano Menezes e Pedro Bial.


Desenvolvemos um programa na linguagem Python que permitiu ao ChatGPT acessar e recriar as legendas dos telejornais (usando a legenda automática produzida pela inteligência artificial do YouTube) e também a acessar as biografias e os últimos 50 tweets dos nove escolhidos como cobaias – são dados públicos.


O resultado da experiência foi apresentado pelos autores numa das 900 mesas do Oitavo Congresso da UFBA na quinta-feira, 16 de março, em Salvador.


Resumo do resultado: a partir dos tweets e das biografias, o ChatGPT criou personas para essas figuras, com as limitações decorrentes da matéria-prima.


Para o chatbot, Lula se preocupa com questões sociais, mas ainda é ex-presidente do Brasil (ele só incorpora informações e dados até 2021, por determinação da OpenAI, que tenta restringir seu uso para criar fake news). Mas a persona de Sergio Moro informa que ele é senador, porque isso consta da biografia do ex-juiz no Twitter;


Marcelo Adnet é apresentado como um fã do carnaval; Miriam Leitão como alguém preocupada com a questão; Reinaldo Azevedo é de centro-esquerda; Gil do Vigor fã do BBB e de Red Bull; Mano Menezes, um técnico preocupado com as derrotas e a presença tímida nas redes sociais e por aí vai.


As newsletters destinadas aos nove misturam notícias efetivamente exibidas pelo JN com outras que o Chatgpt tirou de algum lugar. São as tais alucinações que ele costuma fazer. O número de matérias originais do JN inseridas nas newsletters e os acréscimos variaram.


Para Lula, o ChatGPT selecionou 8 notícias do Jornal Nacional e três outras, que têm a ver com os temas dos tweets do presidente, mas que não estavam no telejornal. Isso, embora a proposta, isto é o prompt que testamos dissesse especificamente ao ChatGPT que não incluísse nada além do que estava na legenda do JN. Algumas notas foram adequadas ao perfil de Lula:


"Bolsonaro é conhecido por sua postura conservadora e de direita, o que contrasta com os valores do ex-presidente brasileiro a quem esta newsletter se destina. Além disso, as joias são alvo de uma investigação que pode implicar o governo em corrupção, o que certamente não agrada a alguém com as posições políticas progressistas e de defesa das minorias que foram descritas na persona. Por isso, a matéria foi escolhida por sua relevância para a política nacional e por permitir ao ex-presidente se informar sobre um tema que certamente lhe interessa."


Para o ChatGPT, Bolsonaro ainda é o presidente do Brasil e Lula, o ex-presidente, como mostra essa notícia, que o chatbot colocou na newsletter destinada a Lula Oficial:


"O ex-presidente do Brasil tem se envolvido cada vez mais em projetos sociais e culturais. Recentemente, em um evento na região Norte do país, ele propôs um projeto de incentivo à produção agrícola indígena. A ideia é fornecer recursos para que comunidades indígenas possam cultivar e comercializar seus produtos, valorizando a cultura e aumentando a renda desses povos. O projeto também prevê capacitação técnica e acompanhamento das ações para garantir a qualidade dos produtos e a sustentabilidade ambiental".


No caso de Moro, depois de atribuir a newsletter à equipe de comunicação do senador, o ChatGPT alerta:


"Desculpe, mas o texto fornecido não é uma transcrição do Jornal Nacional e não está relacionado às preferências da persona descrita. Você poderia fornecer a transcrição correta ou as informações relevantes para criar uma newsletter personalizada?"


Para Marcelo Adnet, foram 7 notícias do Jornal Nacional e outras 27 notícias, quase todas sobre carnaval e sem qualquer vínculo cronológico com março de 2023.


A newsletter para Gil do Vigor parece ter um "merchandising" de Red Bull. Depois da previsão do tempo, o ChatGPT acrescentou:


"Nesse meio tempo, aproveite também para tomar um energético Red Bull e experimentar algumas comidas saborosas enquanto assiste aos seus programas favoritos de reality show, e torça para não ser colocado no paredão! "


Pouco depois, a mesma newsletter afirma:


"Para quem não gosta de ficar sem nhegnhegu, é importante saber que esse termo brasileiro é usado para se referir ao contato físico e demonstrações de afeto entre duas pessoas.


De acordo com especialistas, o nhegnhegu pode trazer diversos benefícios para a saúde mental e emocional, como redução do estresse e da ansiedade, melhoria da autoestima e sensação de prazer e bem-estar.


Por isso, é importante incluir o nhegnhegu em suas relações interpessoais e valorizar esses momentos de contato físico com as pessoas que ama".


O termo nhegnhegu não foi encontrado no Google ou no dicionário, que registra nhen-nhen-nhém e nheengatu.


Uma rápida viagem no tempo, antes de encerrar: em 2005, um grupo de professores da USP foi conhecer a redação do Jornal Nacional na TV Globo do Rio e ali encontraram o apresentador e editor chefe, William Bonner.


Pelas tantas, ele disse que fazia o produto para o Homer Simpson, personagem da série de TV conhecida. Laurindo Leal Filho, um dos professores que ouviram Bonner publicou um artigo que levantou grande polêmica.


Muito antes desse episódio, nos anos 80 do século passado, Paulo, um dos colunistas, trabalhou em várias ocasiões, ouviu muitas vezes a piada interna que volta e meia era relembrada. Diante de uma pauta ou matéria, alguém perguntava: “o que a mãe do Odejaime vai pensar disso?”


Odejaime de Holanda foi um dos mais experientes editores do JN. Morreu no dia 2 de julho de 1999, em sua casa no Jardim Botânico, aos 49 anos. Sofreu um infarto fulminante depois de voltar de um jantar com a equipe com a qual trabalhava todos os dias.


Esta semana, na China, o jornal estatal People's Daily já possui seu William Bonner digital. É uma mulher, âncora de um aplicativo com inteligência artificial que permite aos usuários fazer perguntas sobre a reunião anual do Comitê Central do Partido Comunista e o Congresso Nacional do Povo, as chamadas Duas Sessões. Pelo aplicativo, mas pessoas podem pedir a Ren Xiarong (é nome do apresentador virtual) contar mais sobre assuntos abordados nas casas legislativas, incluindo educação, prevenção de epidemias, moradia, emprego, proteção ambiental e outros. Por enquanto o Bonner chinês digital é só parcialmente interativo, não permite fazer perguntas específicas.



Moral da história: os colunistas acreditam que essas ferramentas de inteligência artificial podem ser ( e certamente serão ) usadas com sucesso para personalizar noticiários e resumos informativos, mas será preciso ajuste, treinamento e supervisão humana. Nas próximas semanas, vamos ter uma segunda rodada, agora pública, de experimentos. Por enquanto, deixamos um endereço para acessar a apresentação e o texto e ficamos com a mãe do Odejaime, imaginando o que ela diria de tudo isso.


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